domingo, 30 de agosto de 2009

Passando uma camisa.

Quem nunca passou uma camisa social - é obrigatório ter pelo menos 2 pregas na manga e as benditas pregas das costas - não parou pra pensar na vida de verdade. Uma DR se torna um papinho rápido de duas pessoas comprometidas, perto da complexidade e aprofundamento intelectual do ferro escorregando sobre o tecido, permitindo que as reflexões se estampem nas nuvens de vapor - embora o ferro a vapor não seja obrigatório.
Sou novato nesse mundo paralelo, é verdade. Mas já são dois meses de uma longa conversa comigo mesmo. Houve o período que eu temia a tábua de passar. Não pelo fato de ter que passar umas cinco camisas - o que levaria duas horas e meia até então-, mas por poder entrar nessa outra dimensão e nunca mais voltar. Começaria a passar, sem perceber, as cortinas da casa, os lençóis da cama, os quadros das paredes, tudo sob a grande concentração que aquele artefato elétrico proporcionava. Mas tratou apenas de um período de adaptação. Já sou inteiramente capaz de controlar a magnitude dos devaneios. Claro que mesmo assim, nunca arriscaria executar a tarefa sem uma televisão ou música ligada.
E estou impressionado com o quanto a minha opinião mudou sobre isso tudo. Há oito semanas atrás, estava colocando gelo no dedinho do pé, após chutar a tábua de passar, num ataque de rebeldia contra a bendita manga que, sempre ao passar de um lado, amassava do outro. Não foi exagero. Levei cinquenta minutos para passar essa camisa. Apesar de que grande porcentagem da demora é atribuída ao fato de eu, depois do tal ataque, não conseguir colocar o pé no chão.
De qualquer maneira, após esse imprevisto com a camisa, tudo só tendeu a melhorar.
Teve o dia que preparei uma carne e tomei cerveja enquanto passava, o que resultou em carne mais do que bem-passada e camisas muito mal-passadas.
Teve o dia que derrubei o ferro no chão, de bico para baixo, abrindo um buraco no chão de madeira da casa que alugo, seguido de três pais-nossos, agradecendo por não ter caído nos meus piés descalzos.
Teve também o dia que passei duas camisas com o ferro desligado, rendendo a academia da semana inteira, muito suor e camisas tristes comigo.
Tudo, porém, acompanhado de muito bom humor e uma dorzinha de leve nas costas. Aliás, estou elaborando um projeto de melhoria para o design das atuais tábuas de passar, garantindo maior desempenho e mais conforto para a dona-de-casa. Fora mais dois projetos sobre temas completamente diferentes. Passar camisas aumenta minha atividade cerebral.
Enfim, uma grande oportunidade para pensar nas coisas. Relembrar um problema, espremer com o ferro contra a tábua e guardar debaixo de uma das pregas da manga. Problema resolvido. Que venha o próximo. Tem lugar suficiente dentro do bolso, no avesso, debaixo do colarinho... e enquanto passo, o tempo passa junto.

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