terça-feira, 1 de setembro de 2009

Caretinhas

Uma das coisas mais engraçadas que eu sempre achei, desde pequeno, é conversar com pessoas que inconscientemente revivem as coisas que você conta. Isto é, elas têm a face dominada por sua história do princípio ao fim. Você fala que levou um baita susto e elas te olham assustadas. Você fala que depois ficou tudo bem, elas sorriem aliviadas pra você. Você fala que existem pessoas que te tiram do sério e elas concordam completamente irritadas, como se o tempo realmente tivesse fechado. Mas basta você contar algo engraçado que elas irão rir mais do que você, fazendo a piada perder totalmente a graça. Sem contar as pessoas que repetem baixinho o que você fala, com um delay de milisegundos. Chega a assustar.
Sempre tive amigos assim. E sempre instigava conversas beirando os limites, para ver se algum dia teriam um treco. Nunca aconteceu, mas com certeza me diverti muito com as expressões faciais fora de controle.
Sempre foi tudo muito engraçado. Até ontem. Eu estava no metrô olhando para um cara que devia ter algum distúrbio, e por causa disso, fazia umas cinco caretas por minuto. Eu havia pego a linha que mais demora pra chegar na minha casa, o que me fez ter uns bons minutos de diversão. E, já treinado a observar esse tipo de curiosidade, toda vez que eu sentia que seria descoberto, desviava meu olhar. No entanto, esse cara começou a retribuir o olhar. Sem querer ser descoberto. Ele olhava, eu percebia, olhava pra ele, ele desviava e fazia uma careta. E vice-versa. Vice-versa mesmo. Ao fugir de um dos seus olhares, olhei para fora do metrô e o vidro da janela refletiu minha própria face. E eu estava fazendo uma careta. A mesma careta dele, como se eu tivesse mexido com algo que não devia. Agora eu teria pego sua maldição e iria fazer a essa careta pro resto da minha vida, em intervalos de dezenas de segundos.
Desci do metrô preocupadíssimo, pensando em como seria trabalhar com esse problema. Iria perder as minhas amizades. Me tornaria uma caricatura para entreter os outros. E foi aí que o ápice da preocupação tomou conta de mim: E se eu sempre fiz essa careta, e o CARA tenha pego ela de mim?
Tudo começou a fazer sentido. Todas as pessoas que estavam sempre rindo do que eu falava, não riam de mim, mas riam da minha cara. Todos os foras que levei, todos os olhares estranhos. Tudo fazia sentido. E as pessoas que faziam as caretas que me divertiam, nada mais faziam do que me arremedar facialmente. Que tristeza que comecei a sentir.
Mas então lembrei que na terceira série havia perdido a competição de caretas da sala. Havia ficado entre os últimos, sei lá. Não podia ser isso. Eu realmente havia começado naquele momento. Cheguei em casa, olhei no espelho por dois minutos e vi que não estava mais fazendo careta. Foi coisa momentânea. Respirei aliviado e esqueci do tema.
Hoje reencontrei o mesmo cara. Ele acenou amigavelmente com um lenço branco em sua mão. Retornei o cumprimento. Mas não era pra mim. Era pra uma senhora de idade atrás de mim. Ela fez uma careta.

2 comentários:

  1. "Isto é, elas têm a face dominada por sua história do princípio ao fim".

    O Gabão é assim.

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